segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A esperança de um pássaro

31 de dezembro de 2000.
Eu fechei os olhos no preciso instante em que um som estrondoso dissipou-se e se perdeu no vácuo. Quando os abri novamente, vi respingos de luzes colorindo o céu, anunciando que algo fantástico havia se dado. Caminhei então pelas ruas da sempre pacata cidade, e vi que as pessoas, como eu, haviam saído de seus lares, e a tranqüila cidade já não estava mais tão sossegada assim. Vi, pois, a vida pulsando nos olhos do menino que, à beira da calçada, regozijava-se com uma porção de fritas. Vi o lampejo da esperança reascendendo, aos poucos, nos olhos de cada homem que por mim passou. E assim, ao som da música e dos votos infindáveis de felicidade, eu entendi que não havíamos somente iniciado um novo ano, mas sim, tinha nos sido dado por Aquele que tudo comanda a oportunidade única - uma vez que estamos cientes da perenidade do ser dito humano - de transpor um século.
Mal sabia eu que as fagulhas de fogos de artifício que caíram sobre as alamedas da minha pacata cidade naquele primeiro dia do ano 2001, preconizariam o que, meses depois, se repetiria bem longe dali, e roubaria a vida de centenas de pessoas. Memórias que o tempo não guardaria. Anônimos que jamais descobririam o significado das palavras doçura e proteção. Histórias que se apagariam antes mesmo de brilharem... A humanidade ficaria mais frágil. E a esperança, outrora flamejante, escureceria aos poucos.
Naquele ano, senti a força da impotência como nunca havia sentido. Quê ou quem eu era, além de milhões de células e uma suposta alma que não creio ao certo se possuo, em meio a tanto horror e destruição? Não, não queria pensar no senhor de 80 anos que passava frio, deitado na praça que havia custado mais de meio milhão de reais aos cofres públicos da minha pacata cidade. Não queria lembrar das crianças desejosas de uma fatia de bolo, e que não a podem e, provavelmente, nunca a poderão comprar. Não queria recordar o cão que, inda a pouco, passara por mim e viera lamber-me os pés, sem nada pedir além de um afago, e eu negara. Não, não poderia - ou, melhor, não desejava – acreditar que essa era a minha triste e melancólica realidade. O mundo deveria estar equivocado.
Não conseguia compreender o sentido que há em sempre guardar um resquício de esperança no cantinho do coração. Essa esperança infundada que permite a todos acordar a cada novo dia e esperar que um milagre aconteça, e nos dissipe todos os problemas. Não seria melhor não mais trabalhar, não mais acordar, não mais sonhar?
Qual era realmente o sentido da vida?
2008.
Como muitos, tento crer que as coisas estão acertadas. Mas, por vezes, durante tênues segundos, que tampouco posso claramente afirmar se existiram ou foram somente subterfúgios de uma imaginação torpe, sinto a Criação saindo de seu eixo e indo ao encontro de sua própria decadência. Vejo que a linha que separa a loucura da sanidade é débil como uma arma nas mãos de uma criança qualquer.
É chegada a hora da renovação. Este é o século que preconiza uma era mais justa. É o tempo do amor. Orgulhar-me hei de poder contar aos meus, Oxalá, bisnetos, que lá estive, na virada do século, no início da mudança. E eles não irão acreditar que este já foi um mundo cruel. Eu entrei no século XXI, contrariando a maioria, sem anseios ou esperança. Mas hoje, estranhamente, consigo ver novamente a luz que me alegrava quando menina, mesmo depois de ver as dezenas de pessoas mortas na Rússia. Muito sangue ainda se derramará, e não se faz necessário o dom da vidência para saber disso. Mas a luz que me iluminava enquanto criança, e que se constituía de todas as cores bonitas que existem, imperará. Não me foi feita nenhuma revelação mística ou divina, mas me foi concedida a graça de aprender a ver com os olhos do bem e da justiça. Essa esperança já não mais ocupa um cantinho escondido do coração, mas a totalidade infinita do espírito. E isso se deve ao fato de poder, ainda depois de tanto infortúnio, ouvir o canto de um bem-te-vi, que me acorda todos os dias e, posso até jurar, me sorri.

Exaltação ao absurdo

Valer-me da mesóclise me apraz.
Que ser estranho, dizem.
Um ser estranho ou um estar estranho?
Um estar de paralelepípedos.

Eu temo pela sobriedade deste curinga.


(Da série: ‘Devaneios de uma mente insana’)
Sonhaste ao longo de tua vida
Com o amor dos teus sonhos
E correste, correste
E inda durante tua vida acreditaste,
E esperaste
Pois lhe era certo que um dia chegaria
E caminhaste, e olhaste para todos os lados, e para tudo e nada viste...
Nada viste além do encardume
E nada sentiste além do poder que escapa dos esgotos
Mas inda assim continuaste a crer e a procurar
E procuraste então não mais sobre os tapetes vermelhos
Ou em meio ao ouro que ofusca,
Mas nos vilarejos e também nos rostos amargos e nas almas sofridas,
Todavia também não achaste ali.
Continuaste, contudo, a acreditar...
Todos os dias, todos os minutos,
Em qualquer centelha de vida que em meio a tantas mortes ainda lhe restara
E assim viveste... Até o fim.
É pouco o sonhar
É pouco o querer
E aquelas coisas serenas
De que só restam a lembrança
Ficam distantes
Ao contar as horas sóbrias
Dessa vida que passa
Numa alucinação de um momento
Em que a esperança é melhor do que a própria certeza
De um dia ser feliz.
Ajude-me a encontrar um sentido
E diga que essa noite você me fará feliz
Tirando do peito toda dor
Toda dúvida, toda angústia
Apagando as trevas do coração
Não, não vá embora
Só por hoje fique a meu lado
E quando o sol chegar
Diga-me bom dia
E me abrace forte.
E então se você me disser adeus
Não haverão mágoas
E se você nunca mais voltar
Eu entenderei
Dê-me um sentido apenas essa noite
Seja minha busca
Seja meu homem
Apenas por hoje me dê segurança.
Cenas de morte como vida
Homens figuras
Uma tela talvez
De uma noite boêmia que ficou na lembrança
Como um século atrás
A solidão dessa noite
Que talvez seja a canção
E embale minha vida.
A procura incessante
Do amor que se esconde
A vida, a dúvida, a ânsia.
Orgias e devaneios
Um Cristo morto
Um demônio feliz
E quarenta dias de tristeza
Com a morte batendo à porta
Sangue
Dor e lágrimas
Num rosto distorcido
Pelo amor indiferente...
Passado.
Renascer agora basta
Quando tudo se foi, o recomeço é a única escolha
Assim como uma faca, como um punhal
Cravado no peito
Já cicatrizado
Quase novo.
Ilumina-me a luz
Vem a mim a força
Talvez sobrenatural,
Mas força.
A cura da dor.
Quase cem noites mal dormidas
Com o demônio no corpo
Confrontando-se o desejo e o ódio
Vida e cura
A cada dia que passa
E o sol invadindo lentamente a alma...
Olhos negros,
Olhos falsos
Teus olhos dissimulados
Olhos terra
Olhos água
E será que pensas em mim
Nesse instante de dor
Nessa hora de amor?
Onde estão
Teus olhos insanos
Traidores
Se quem não tem piedade
De quem não sabe o que é amar?
Olhos de anjo
Ou demônio disfarçado
Olhos negros
Olhos falsos
Eu te maldigo e te desejo
Olhos terra
Olhos água
Vem pra mim
Ou então morra no fogo de tua própria mentira
Olhos negros
Olhos terra
Olhos frios
Olhos água
Olhos quentes
Olhos fogo
Olhos passageiros
Olhos ar...
... Porque tudo um dia passa.
Inda agora ouço pulsar aqui
A efervescência do amor que move o mundo
É a vida que mostra-se digna
Que diz-me sim, quando eu,
Relutante, falo não.
E nada fará com que eu desista
O abismo se abriu
Eu caí, me machuquei...
Mas agora estou aqui
E sei que sou maior que essa dor
E sou mais forte que a injustiça.
Estranha em minha própria terra
Hóspede em minha própria casa
As grades cercam os homens
O coração mora na cela ao lado
E a alma morreu
Talvez de overdose
Deus fugiu pra bem longe
Pois não quis ser preso
E eu fiquei aqui
Perdida...
Eu podia ter tido tudo
Mas, não sei por que, roubaram o que eu tinha
Mataram quem eu amava
Destruíram o que eu acreditava
E hoje...
Hoje eu não tenho nada.
O tempo me levou para longe das pessoas que amo
Meus ídolos fugiram
E os anjos estão caídos desde a extinção do amor
Meus amigos não estão aqui
E a única pessoa por quem eu morreria deve estar dormindo serenamente em sua casa agora
Então prefiro ficar aqui no meu canto
Fingindo que o locutor me faz companhia
Pois ninguém seria capaz de compreender que hoje eu não sou eu,
Hoje eu sou mais um,
Mais um ninguém, embaixo do teto e perdido no cosmos.
Onde está o amor
Que tudo revela que tudo consome, que tudo vale?
Se o que vejo é a maldade e a mentira
O ódio e o desamor...
É, eu queria saber se sou realmente daqui,
Pois tudo o que vejo é tão diferente do que acredito
E a vida então não passaria de uma eterna farsa onde a cortina nunca se abre?
E nós amamos sem saber o que é amor
Inocente hipocrisia
Necessidade talvez de sentir-se forte
Não sei o que é amor.
Talvez por ter amado tantas vezes
Perco-me hoje em explicações inexplicáveis
E tudo isso um dia não passará de cinzas...
Marcas de um passado não tão remoto voltam à tona
E horas sórdidas e infiéis
Tornam-se puras, inocentes
Quando tudo, agora, parece resolvido
E os erros já não sangram mais,
Como um velho coração partido
Nada do que foi é mais
E o fantasma foi embora
Como um filhote amedrontado.
Minhas trevas ainda atormentam minha estrela
Única e solitária esperança de um fio de vida
De felicidade, de amor, e de todas as coisas boas que um dia me contaram que existe
A dúvida assombra minha alma, pois o Papai Noel já não é o mesmo
Que eu conheci quando criança
Mas ainda sei que Deus é bom,
E então eu vou sorrir
Se o sol que brilhava na infância já não me encanta mais
Desculpe-me, pois eu nunca quis que a inocência morresse
E quando até o anjo da guarda parece me confundir
E não querer me proteger
Eu sei culpa não é dele
É só do meu espírito
Que parece quebrado, desiludido, fraco...
Peço perdão, eu apenas queria falar de amor.
Um lugar meu e teu
Todos os lugares foram nossos
Mas quando o amor acaba
O mundo parece um grande oceano vazio
Sem nenhum barco.
Fotografias mortas
Quadros velhos em paredes tortas
Assim parece toda minha vida
Um prego mal encravadoUm retrato já apagado...