quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Encontro

Naquela manhã acordei agitada. Bem da verdade, nem sequer dormi. O encontro que eu vinha postergando há anos aconteceria naquela noite. Eu estava tensa. O dia demorou a passar. Não consegui trabalhar direito, a cabeça estava em outro lugar. Até que chegou a hora. Relutei até o último minuto, e minha vontade, confesso , era a de sair correndo, fugir. Mas eu sabia que daquele encontro dependeria a minha vida. Pontualmente, às 23h, ela estava lá. Eu também.


Num primeiro momento, quase não a reconheci. Fazia anos que não a via. Tinha me esquecido de como seus olhos brilhavam, de como seu sorriso era contagiante.


Ela me cumprimentou com um abraço caloroso, porém seu semblante revelava certo ar de contrariedade. De reprovação, eu arriscaria dizer.


Sentamos. Ela pediu ao garçom uma pizza – qualquer uma que tivesse bacon e catupiry servia.


Por um minuto – que pareceu durar uma vida inteira – não dissemos nada. Apenas contemplamo-nos. Era estranho estar ali, depois de tanto tempo. Minha vontade ainda era a de sair correndo.


Reparei em como suas mãos eram bonitas. Ela finalmente parara de roer unhas! Mas continuava usando roupas pretas, o cabelo ainda era vermelho, meio desajeitado, e o número de tatuagens espalhadas pelo corpo parecia ter crescido em uma proporção considerável. Usava ainda uma maquiagem carregada nos olhos, e um anel de coruja.


Disse-me que ainda acreditava em bruxas, ouvia Legião Urbana, chorava com Patience, e mantinha um diário secreto. E ainda não aprendera a fazer bolos nem pão de queijo decentes.


Ela elogiou minha roupa. Achou meu cabelo meio careta, e questionou se eu ainda era fixada em sapatos como em tempos passados. Achou que 138 pares, em se tratando de mim, não eram um exagero, e sorriu.


Reparou também nos meus brincos, nos anéis e no delicado colar que eu usava. Disse que nunca me vira tão elegante, tão bonita. E riu quando eu lhe disse que ainda não havia conseguido perder aqueles 7 quilos que me atormentavam desde a adolescência.


Fez-se mais um minuto de silêncio, e então ela, direta como sempre, colocou um ponto final nas amenidades. Estávamos ali para falar de algo muito sério.


Sem cerimônias, com certa brutalidade até, ela desenterrou o passado e esparramou-o sobre a mesa. E passou a me dizer tudo aquilo que eu não queria ouvir.


Chamou-me de covarde. E quem dera esse tivesse sido a maior das maledicências.


O que doeu mesmo, foi quando ela me perguntou por que eu havia me afastado de meus amigos, onde estavam os meus sonhos, meus livros,meus discos de vinil, meus gatos.


Opa! – gritei. “Os gatos estão em casa, dormindo”, disse-lhe.


- E o violão?


Ah, só ela sabia me ferir como ninguém mais seria capaz.


Respondi-lhe que ainda não aprendera a tocar. E ela me perguntou até quando eu adiaria também isso.


Óbvio que ela nem ousou me perguntar como iam as aulas de natação, de pintura, e a eterna promessa de largar o chocolate. Não era necessário, pois ela sabia de antemão a resposta.


Seus olhos me recriminavam. Minha vontade de fugir dali cresceu exponencialmente. Não, eu não conseguiria suportar tudo aquilo de uma só vez.


Abruptamente, ela levantou-se e deu-me um soco no estômago. E a ânsia de vômito e a dor que sobrevieram fizeram-me encolher na cadeira.


Só consegui levantar agora.


Ainda estou zonza com tudo isso. Mas sei que não terminou. Temos outro encontro marcado para sexta-feira. Ainda existem muitas pendências.